terça-feira, 6 de outubro de 2009

UM FUTEBOL ESCULPIDO NA FORÇA DE VONTADE



De um lado o Civo Service United, que veste camisa amarela, calção verde e meião amarelo, Do outro o Moyale, com camisa e calção branco e meião verde. Respectivamente, um time da cidade de Mzuzu, localizada na região norte, contra um da capital, Lilongue.

O jogo tem poucos lances bonitos e emocionantes, nenhum jogador demonstra aquela improvisação, molecagem e fantasia com a bola nos pés, características de craques brasileiros, mas a bola é disputada como se fosse a última garrafinha de água no meio do deserto, divididas, chutões, trombadas e muita correria, assim seguiu a partida até o apito final do juiz, terminando num aguerrido empate sem gols.

No entanto, independente de belas jogadas, a torcida fez a festa o tempo todo, só uma tentativa de chute para o gol, mesmo que a bola esbarra-se na marcação, ou seguisse rumo à arquibancada, já era motivo de tirar o grito de “ÚÚÚÚÚÚÚÚ” dos torcedores, ecoando longe do estádio.

De acordo um torcedor do Civo, Tamani Rusimbwe, 38 anos, que ganha a vida como motorista particular, e todo dia, segundo ele, agradece a Deus por conseguir viver de maneira digna no país, a camisa de um time profissional custa cerca de 3.000 quachas, equivalente a aproximadamente 20 dólares. Este preço é totalmente caro em relação ao padrão de vida da maioria dos malauianos, por isso, ninguém acompanha os jogos com a camisa dos times.

Na atualidade, o principal jogador de futebol da seleção do Malawi é o atacante Joseph Kamwendo, de 22 anos. Ele nasceu na cidade de Blantyre, como se destacou na arte da bola, hoje, joga no Orlando Pirates, um time da África do Sul. Se no Brasil já é difícil segurar os artistas da bola, que normalmente vão jogar na Europa, imagine os bons jogadores de uma nação pobre.

“A liga profissional possui 24 times, os jogos sempre acontecem nos finais de semana, durante a tarde, pois nos estádios não há luz, alguns até possuem refletores, mas eles não funcionam”, explica Rusimbwe.

IMAGENS


Na entrada do pequeno estádio uma espécie de lousa informando sobre a partida.


Os jogadores são muito simples e simpáticos, tanto que o jornalista que vos escreve foi parar no banco de reservas do Moyale, contando, é claro, com o sinal positivo de todos os atletas.


Além dos jogadores, os repórteres e fotógrafos de campo, também são pura simpatia. Sem falar no segurança que autorizou a minha entrada em campo quando eu disse que era um jornalista brasileiro.


Este é um retrato nítido da falta de estrutura do país, eis o banco de reservas.


Fim do primeiro tempo.


Não foi desta vez que a torcida gritou gol.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

ENTREVISTA FRANCA E ESPERANÇOSA COM JHON C THOMAS



Jhon C Thomas é o representante do “Projeto Malawi” no país africano, é por meio da sua fundação homônima que os recursos chegam nas aldeias beneficiadas. Thomas é um homem religioso, é pastor evangélico de uma igreja, bem pequenininha, feita de madeira, que fica no quintal da casa dele, o púlpito está bem deteriorado, assim como alguns bancos. O chão em que costuma ajoelhar-se e orar, durante os cultos, é de terra. Sempre anda com óculos de sol devido uma grave deficiência em um dos seus olhos. E é claro, como a maioria dos malauianos, costuma carregar um bonito sorriso estampado no rosto.
A sua esposa é enfermeira, ela o ajuda, e muito, tanto nas despesas da casa, aluguel e mantimentos, como nos programas assistenciais da fundação.
Nesta entrevista, Thomas fala um pouco dos sonhos de construir um futuro melhor para as crianças, da luta que trava, diariamente, para levar melhorias para a população das aldeias, em regiões de difícil acesso, algumas desérticas e escaldantes, e da importância do "Projeto Malawi" nesses desafios. Ele também conta, de maneira resumida, como foi despertado pelas causas humanitárias.

Há quanto tempo existe a fundação?

Desde 2001

Por que resolveu criá-la? O que o levou a fazer isto?

Muitas razões. Primeira! A minha irmã mais velha morreu e deixou algumas crianças órfãs. Isto também ocorreu com a minha esposa, que perdeu uma irmã, ficando os sobrinhos órfãos. Esses fatos me levaram a ter um contato com crianças desamparadas.
Segundo! Meus pais se separam quando eu tinha oito anos, cresci sem pai e a minha mãe não tinha condições de criar os filhos, não tinha estrutura, não tinha dinheiro. Então, antes dos dez anos, já carpia mato para ganhar dinheiro.
O que eu passei na infância, os órfãos dessas aldeias passam hoje, quando olho para eles, me vejo ali, chorando, com medo, com fome, com frio, sem proteção.
Fazer um trabalho social voltado às crianças, é um desejo que sempre acompanhou os passos da minha vida.

Qual o seu grande sonho?

O meu sonho é transformar as vidas dos órfãos para que eles não tenham problemas psicológicos e sejam grandes cidadãos em Malawi. Por isso, luto pela proteção dele, tentando fazer o impossível para ajudá-los. Sonho em estender os serviços sociais da fundação, não só no Malawi, mas também na Tanzânia, em Moçambique, na Zâmbia... quem sabe um dia?

Como vê a participação do Brasil por meio do Projeto Malawi?

Esta parceria tem me ajudado muito, ela é parte dos meus sonhos, pois vai viabilizar a mandala, já construiu uma escola, três poços artesianos, está beneficiando, e muito, a vida das pessoas de três aldeias.

Contando essas três beneficiadas pelo projeto, quantas aldeias no total a sua fundação ajuda, atualmente?

21 aldeias no total

Quais são as principais dificuldades de viver em Malawi?

A questão do transporte é muito complicada, pois não tenho um carro bom para levar comida para as aldeias, que são distantes umas das outras, e longe da minha casa.
Outro grande problema é a falta de hospitais ou postos de saúde nas aldeias, muitas pessoas morrem antes de chegar à capital. Não temos tratamentos, não tem exames de sangue, não tem recursos para combater o HIV. Quem já tem a doença precisaria de remédios.

Como é uma pessoa religiosa, se fosse para escolher um versículo bíblico, como mensagem, para passar nessa manhã numa rádio malauiana, qual seria?

Tiago, capítulo 1, do versículo 27, diz: “A religião pura e sem mácula, para com o nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e a si mesmo guardar-se incontaminado do mundo.


Igreja bem pequena e feita de madeira, os cultos são feitos aos domingos, pela manhã, já que não há energia elétrica.


Por dentro da igreja, chão de terra e alguns bancos.


Como acontece nas aldeias, na casa do Tomas o fogão também está "enraizado" no chão, não há fogão e nem cozinha.


Cartaz pregado na parede da escola, na sala da fundação, dizendo quais são os principais programas assistências.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

À SOMBRA DAS SAVANAS UM LAGO QUE LEMBRA O MAR


Se fosse julgar apenas pelas pequenas ondas, pedras, areia branca e fofa, ilhas à vista, ou pela cor da água, ora verde-mar, ora azul-regata, todos diriam que se trata de algum pedaço de mar, mas não, na verdade este é o "Lago Malawi", uma das grandes atrações do país em termos de beleza natural.
Se por um lado Malawi não tem saída para o mar, por outro, possui um lago de ressonâncias oceânicas, dono de uma beleza incontestável, um lugar de visões paradisíacas para refrescar um cenário dominado por savanas.

Na crença malauiana é sobre o lago que nasce o sol. Ele tem um significado tão importante que o nome do país sempre está relacionado ao nome dele e vice-versa.
Em 1891, por exemplo, quando se tornou território britânico, foi chamado de Niassalândia por causa do lago, que na época tinha o nome de “Lago Niassa”. Após a independência, em 1964, é registrado Malawi, seguindo a sintonia entre o nome do país e da sua atração cristalina, o lago é rebatizado de “Lago Malawi”.
Existe até um time de futebol profissional lá chamado Lake Malawi, em homenagem a este cenário de atrações turísticas. Aliás, o local, neste trecho,em específico, é totalmente voltado aos turistas, e fonte de emprego para o malauiano, principalente aos moradores da região de Salima, próxima do hotel.

Quem um dia se interessar em conhecer o país, deve procurar a rede de hotéis Sun Bird, de origem sul-africana, oferece uma excelente infra-estrutura aos turistas. Tomar banho de água doce num ritmo de mar, sereno e tranqüilo, ou apenas se acomodar diante do visual encantador a fim de descansar a mente, é indescritível.

É claro que nem toda a extensão de margem do lago deve ser de ambiente praiano, mas onde está localizado o hotel, na “Linvingstone Beach”, como é conhecida esta parte da “praia”, em homenagem a David Linvgstone (escocês, missionário cristão, médico, que ficou conhecido por desbravar o continente africano, lutando para libertar os povos da escravidão), qualquer semelhança com Ubatuba, no litoral paulistano, ou com qualquer outra praia, é mera coincidência.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A TERRA QUE RESPIRA A MISÉRIA

Escrevi uma matéria sobre o Malawi no “Santo André News”, o jornal com cara de revista da cidade andreense. Hoje, começa a circular, como gostaria de compartilhar com os leitores do blog o conteúdo dela, deixo o texto publicado aqui. Todavia, não é a matéria integral, pois usei na publicação impressa a história do Charlo, o vendedor de espetos de rato, já postada no blog, também coloco fotos diferentes da matéria originalmente publicada no jornal.
BOA LEITURA!




ZIKOMO KWAMBIRI! (Significa muito obrigado em chichewa, o idioma oficial do país, junto com o inglês). Foi isto que disse uma mulher, pulando de alegria, tão feliz quanto um brasileiro comemorando a conquista de uma Copa do Mundo, ao receber uma marmita que preparei no restaurante feita com o que sobrou do almoço. Assim que me agradeceu de maneira entusiasmada, chamou três filhos pequenos para compartilhar o alimento. Tamanha felicidade tem explicação, às vezes o malauiano fica três dias sem ter o que comer. O que era resto para mim, no estômago daquela família se tornou uma ceia farta.

E assim caminha este pequeno país, situado no sudoeste do continente africano, sem saída para o mar, com uma extensão de 118.484 km² cuja superfície é coberta por infinitas savanas e florestas tropicais, cheias de aldeias tribais, formando uma nação com cerca de 14,3 milhões de pessoas.

Lilongue é a capital, mas a sede do governo não está lá, e sim na cidade de Blantyre, na região sul, além disso, turisticamente falando, não tem vida noturna, as ruas são sem iluminação e sem calçadas. Os grandes comércios que existem não pertencem aos malauianos e sim a estrangeiros, na maioria dos casos, indianos. Os nativos da parte central, no geral, são sempre funcionários. Fora isso, trabalham como autônomos, em feiras e comércio ambulante.

Malawi é uma tristeza que, assim como o horizonte, parece não ter fim. Segundo os dados da ONU, é um dos países mais pobres do mundo, sobrevive com ajuda externa, principalmente da África do Sul, do Reino Unido e de Organizações Não Governamentais.

O cenário é doloroso: miséria, fome, AIDS, vários tipos de doenças, falta de água, infra-estrutura totalmente precária, pessoas morrendo antes de chegarem aos hospitais... tudo isso faz parte da sofrida história de vida da população.

E eles, sobretudo às crianças, apesar de toda calamidade, preservam uma alegria contagiante, têm capacidade de mostrar carinho por desconhecidos, como eu, que na condição de enviado especial, de repórter a milhas e milhas distante da pátria verde e amarela, me senti em casa graças à fraternidade do malauiano.

AS CRIANÇAS DO MALAWI



Hora do almoço na aldeia Mutu. A condição choca, a cena é inaceitável aos olhos de qualquer ser humano. O ar parado, sem vestígios de vento, o sol queimando a terra vermelha, na qual centenas de crianças, maior parte órfãs, formam uma fila indiana, todos munidos com um pratinho, alguns com colheres, outros sem, destes a mão será o talher, em comum, eles carregam a fome nos olhos.

Uma menina no meio da fila, aparentando quatro ou seis anos começa a lamber a colher, impaciente para a tão desejada hora do almoço cuja refeição será uma espécie de mingau que chamam de sima, feito a base de milho e mandioca.
Como se estima que a metade dessas crianças sejam soropositivas, o governo manda um tipo de trigo com preparo especial para dar uma maior sustentação na alimentação.

É desta maneira que estas crianças se alimentam. Para eles não existe café da manhã, o almoço é algo simbólico, e jantar uma raridade. A refeição é um mistério, pode ser que apareça, pode ser que não.

Todos os órfãos dormem no chão, sobre um plástico empoeirado, num dormitório feito de palha. Como a temperatura, normalmente, cai à noite, ficam amontoados para amenizarem o frio. Às vezes surgem alguns panos rasgados, e viram mantas.

PROJETO MALAWI



Atualmente as Organizações Não Governamentais e instituições assistenciais têm cumprido um papel fundamental não só para a elaboração de recursos e ajudas humanitárias, mas também pressionando os países ricos para olharem com mais atenção aos problemas dos menos favorecidos.

O Projeto Malawi, radicado em Santo André, desenvolve programas assistenciais no país africano há mais de dois anos. Estes programas são voltados ao crescimento de infra-estrutura e atualmente atendem às aldeias Mutu, Modika e Mtema, localizadas entre 25 e 50 Km da capital, em cada uma, foi construído um poço artesiano que deve levar água potável por aproximadamente 50 anos.

Conforme informações do site da Organização Mundial da Saúde (mapeamento de 1999), bactérias, vírus e parasitas presentes na água são responsáveis por cerca de 4 bilhões de casos de diarréia por ano, grupos de risco representativos encontram-se em países com difícil acesso a água potável, a exemplo do Malawi.

No dia 12 de agosto foi inaugurada uma escola na aldeia Mutu para atender as crianças da região. Antes, para chegar ao colégio mais próximo, estas crianças precisavam andar uma extensa caminhada.

Não há como negar que os primeiros passos do Projeto Malawi foram bem-sucedidos, e pelos objetivos traçados, há muito mais para ser feito. Em 2010, a idéia é implantar um sistema revolucionário de agricultura que vem fazendo sucesso nas lavouras da Paraíba, para isso, já foi iniciada uma parceria com a Agência Mandalla, responsável por este processo agropecuário.

“A terra precisa virar fonte de alimentação saudável, de renda, de sustentabilidade o mais rápido possível para esse povo”, comenta Silas Josué de Oliveira, diretor do Projeto Malawi.

TUDO VALE A PENA SE A ALMA NÃO É PEQUENA



Recentemente o Malawi apareceu na mídia brasileira por causa da morte do economista carioca Guilherme Buchman, de 28 anos, provocada por hipotermia durante escalada no oMonte Mulanje. Pelo que foi publicado nos noticiários, ele viajava pelos países mais pobres, estudando, para conclusão de uma tese de doutorado em políticas públicas.
O programa Esporte Espetacular da rede Globo, fez uma homenagem, a equipe de reportagem refez a trilha e no pico pregou uma placa com o nome dele, uma foto, e uma frase do poeta Fernando Pessoa que ele gostava: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena".
Esta minha viagem só foi possível por causa do Projeto Malawi que me convidou a conhecer as obras assitencais no país, e agora, também sou colaborador do site www.projetomalawi.com.

Pessoas de visão social como Guilherme Buchman era, instituições focadas em ajudar nações cujas pessoas parecem estar condenadas a uma existência breve, são lições de que podemos nos empenhar para criar um mundo melhor.

Lembro de quando o avião decolou do aeroporto Internacional Kamuzu Banda, e a atordoante visão da pobre terra (vermelha como o sol da bandeira malauiana), foi sumindo da minha vista até surgir a imensidão dos céus, descobri ao longo das nuvens, que o rosto daquelas pessoas, com olhares que clamam por socorro, principalmente das crianças, nunca mais sairão da minha mente. A todos eles, ofereço (confesso que envergonhado) está simples matéria.