quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A TERRA QUE RESPIRA A MISÉRIA

Escrevi uma matéria sobre o Malawi no “Santo André News”, o jornal com cara de revista da cidade andreense. Hoje, começa a circular, como gostaria de compartilhar com os leitores do blog o conteúdo dela, deixo o texto publicado aqui. Todavia, não é a matéria integral, pois usei na publicação impressa a história do Charlo, o vendedor de espetos de rato, já postada no blog, também coloco fotos diferentes da matéria originalmente publicada no jornal.
BOA LEITURA!




ZIKOMO KWAMBIRI! (Significa muito obrigado em chichewa, o idioma oficial do país, junto com o inglês). Foi isto que disse uma mulher, pulando de alegria, tão feliz quanto um brasileiro comemorando a conquista de uma Copa do Mundo, ao receber uma marmita que preparei no restaurante feita com o que sobrou do almoço. Assim que me agradeceu de maneira entusiasmada, chamou três filhos pequenos para compartilhar o alimento. Tamanha felicidade tem explicação, às vezes o malauiano fica três dias sem ter o que comer. O que era resto para mim, no estômago daquela família se tornou uma ceia farta.

E assim caminha este pequeno país, situado no sudoeste do continente africano, sem saída para o mar, com uma extensão de 118.484 km² cuja superfície é coberta por infinitas savanas e florestas tropicais, cheias de aldeias tribais, formando uma nação com cerca de 14,3 milhões de pessoas.

Lilongue é a capital, mas a sede do governo não está lá, e sim na cidade de Blantyre, na região sul, além disso, turisticamente falando, não tem vida noturna, as ruas são sem iluminação e sem calçadas. Os grandes comércios que existem não pertencem aos malauianos e sim a estrangeiros, na maioria dos casos, indianos. Os nativos da parte central, no geral, são sempre funcionários. Fora isso, trabalham como autônomos, em feiras e comércio ambulante.

Malawi é uma tristeza que, assim como o horizonte, parece não ter fim. Segundo os dados da ONU, é um dos países mais pobres do mundo, sobrevive com ajuda externa, principalmente da África do Sul, do Reino Unido e de Organizações Não Governamentais.

O cenário é doloroso: miséria, fome, AIDS, vários tipos de doenças, falta de água, infra-estrutura totalmente precária, pessoas morrendo antes de chegarem aos hospitais... tudo isso faz parte da sofrida história de vida da população.

E eles, sobretudo às crianças, apesar de toda calamidade, preservam uma alegria contagiante, têm capacidade de mostrar carinho por desconhecidos, como eu, que na condição de enviado especial, de repórter a milhas e milhas distante da pátria verde e amarela, me senti em casa graças à fraternidade do malauiano.

AS CRIANÇAS DO MALAWI



Hora do almoço na aldeia Mutu. A condição choca, a cena é inaceitável aos olhos de qualquer ser humano. O ar parado, sem vestígios de vento, o sol queimando a terra vermelha, na qual centenas de crianças, maior parte órfãs, formam uma fila indiana, todos munidos com um pratinho, alguns com colheres, outros sem, destes a mão será o talher, em comum, eles carregam a fome nos olhos.

Uma menina no meio da fila, aparentando quatro ou seis anos começa a lamber a colher, impaciente para a tão desejada hora do almoço cuja refeição será uma espécie de mingau que chamam de sima, feito a base de milho e mandioca.
Como se estima que a metade dessas crianças sejam soropositivas, o governo manda um tipo de trigo com preparo especial para dar uma maior sustentação na alimentação.

É desta maneira que estas crianças se alimentam. Para eles não existe café da manhã, o almoço é algo simbólico, e jantar uma raridade. A refeição é um mistério, pode ser que apareça, pode ser que não.

Todos os órfãos dormem no chão, sobre um plástico empoeirado, num dormitório feito de palha. Como a temperatura, normalmente, cai à noite, ficam amontoados para amenizarem o frio. Às vezes surgem alguns panos rasgados, e viram mantas.

PROJETO MALAWI



Atualmente as Organizações Não Governamentais e instituições assistenciais têm cumprido um papel fundamental não só para a elaboração de recursos e ajudas humanitárias, mas também pressionando os países ricos para olharem com mais atenção aos problemas dos menos favorecidos.

O Projeto Malawi, radicado em Santo André, desenvolve programas assistenciais no país africano há mais de dois anos. Estes programas são voltados ao crescimento de infra-estrutura e atualmente atendem às aldeias Mutu, Modika e Mtema, localizadas entre 25 e 50 Km da capital, em cada uma, foi construído um poço artesiano que deve levar água potável por aproximadamente 50 anos.

Conforme informações do site da Organização Mundial da Saúde (mapeamento de 1999), bactérias, vírus e parasitas presentes na água são responsáveis por cerca de 4 bilhões de casos de diarréia por ano, grupos de risco representativos encontram-se em países com difícil acesso a água potável, a exemplo do Malawi.

No dia 12 de agosto foi inaugurada uma escola na aldeia Mutu para atender as crianças da região. Antes, para chegar ao colégio mais próximo, estas crianças precisavam andar uma extensa caminhada.

Não há como negar que os primeiros passos do Projeto Malawi foram bem-sucedidos, e pelos objetivos traçados, há muito mais para ser feito. Em 2010, a idéia é implantar um sistema revolucionário de agricultura que vem fazendo sucesso nas lavouras da Paraíba, para isso, já foi iniciada uma parceria com a Agência Mandalla, responsável por este processo agropecuário.

“A terra precisa virar fonte de alimentação saudável, de renda, de sustentabilidade o mais rápido possível para esse povo”, comenta Silas Josué de Oliveira, diretor do Projeto Malawi.

TUDO VALE A PENA SE A ALMA NÃO É PEQUENA



Recentemente o Malawi apareceu na mídia brasileira por causa da morte do economista carioca Guilherme Buchman, de 28 anos, provocada por hipotermia durante escalada no oMonte Mulanje. Pelo que foi publicado nos noticiários, ele viajava pelos países mais pobres, estudando, para conclusão de uma tese de doutorado em políticas públicas.
O programa Esporte Espetacular da rede Globo, fez uma homenagem, a equipe de reportagem refez a trilha e no pico pregou uma placa com o nome dele, uma foto, e uma frase do poeta Fernando Pessoa que ele gostava: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena".
Esta minha viagem só foi possível por causa do Projeto Malawi que me convidou a conhecer as obras assitencais no país, e agora, também sou colaborador do site www.projetomalawi.com.

Pessoas de visão social como Guilherme Buchman era, instituições focadas em ajudar nações cujas pessoas parecem estar condenadas a uma existência breve, são lições de que podemos nos empenhar para criar um mundo melhor.

Lembro de quando o avião decolou do aeroporto Internacional Kamuzu Banda, e a atordoante visão da pobre terra (vermelha como o sol da bandeira malauiana), foi sumindo da minha vista até surgir a imensidão dos céus, descobri ao longo das nuvens, que o rosto daquelas pessoas, com olhares que clamam por socorro, principalmente das crianças, nunca mais sairão da minha mente. A todos eles, ofereço (confesso que envergonhado) está simples matéria.

6 comentários:

Saribera disse...

A miséria deve ser inadimissível em um mundo que tem tantas riquezas!

Edson Lima disse...

Bela matéria Bezerra e gente ainda acha que ta ruim para nóis imagina pra eles.
abs,
Edson

Fabio Bézza disse...

PODE CRER SARIBERA!!! ESSA CONTRADIÇÃO, ESSA DESIGUALDADE... É DIFÍCIL DE ACEITAR.
É VERDADE EDINHO!!! E NÓS AINDA RECLAMAMOS DA VIDA.
AGRADEÇO A TODOS PELA VISITA NO BLOG.

Marcos Bueno disse...

Parabéns Fábio pela matéria.
Com a graça que lhe é peculiar delineou o que há de mais rico no povo malawiano, a esperança de um dia melhor em meio a tantas adversidades.

Unknown disse...

Fábio, suas matérias são ótimas. Apesar da miséria do lugar, e da tristeza que provoca em nós ao enxergar mais de perto essa realidade de tantos africanos, você ainda comenta que eles são alegres. Como você disse, trazem a fome nos olhos, acompanhados de todo o sofrimento desse lugar onde a fome castiga mais do que o clima. Apesar de tudo,a alegria notória e o sentimento de amor e gratidão são enfatizados por você de forma especial.
Parabéns.
Marília.

Unknown disse...

Fábio, parabéns pela matéria!
Fui a Lulwe ano passado. Uma tribo na divisa de Moçambique e Malawi. Os olhos e sorrisos dessas crianças até hoje não saem da minha mente. Tenho um sonho de voltar e montar uma casa de estudo, como um reforço escolar, já que não sou formada em letras, e meu marido, uma escola de futebol.
Amamos aquele país com nosso coração. Que tenhamos consciência que com pouco, um pouco de cada um, podemos mudar o mundo de alguém hoje.

Parabéns!
Rayanne.